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“Comigo não vale isso de documento,livegambling - não. Eu não abro mão dessa área. Vai ser minha” é o que o agricultor João de Mendonça relata ter ouvido do deputado federal José Eurípedes Clemente (União-RO), o Lebrão, quando o chamou para conversar em sua casa, em setembro de 2022. Há mais de 30 anos vivendo da plantação de melancia e mandioca nas margens do Rio Machado, João estava preocupado quando falou com a Agência Pública, em abril deste ano.

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Nos últimos meses, ele tinha visto quase todos seus vizinhos largarem seus roçados, às vezes até antes da colheita, segundo ele, sob pressão de homens que apareceram na área dizendo variações de uma mesma frase: “essa terra é minha, tenho o documento, você tem prazo pra sair”.

Na vila beiradeira de Demarcação, localizada no Baixo Rio Madeira, em Porto Velho (RO), são dois os homens vindos de fora que teriam chegado dando ordens, segundo os relatos obtidos: Lebrão e Guedes. O primeiro, deputado federal por Rondônia eleito em 2022, visita regularmente a nova fazenda que estaria formando, com terras tomadas ou compradas a preços abaixo do mercado – segundo relatos de ribeirinhos que alegam ter sido pressionados e expulsos.

Em casos que envolveriam ameaças diretas, o segundo homem, o fazendeiro Guedes Arcanjo Tavares, repetiria, segundo os relatos, também o mesmo procedimento para formar outra fazenda que soma milhares de hectares ao lado da área do deputado Lebrão. Nesta região, imagens de satélite e multas ambientais mostram que o desmatamento cresceu nos últimos cinco anos.

Ao percorrer as margens do Rio Machado, perto da altura do encontro com o Rio Madeira, a Pública entrevistou ao menos 12 pessoas que dizem ter sofrido ou testemunhado casos de ameaças e expulsões vindas de Lebrão ou Guedes Arcanjo. Alguns depoimentos serão mantidos em anonimato pela segurança das fontes. A reportagem acessou também documentos cartoriais, fotos e vídeos das supostas investidas do deputado e do fazendeiro.


Famílias ribeirinhas do Baixo Madeira relatam ameaças de expulsão e acusam fazendeiros de grilagem / Avener Prado/Agência Pública

O distrito de Demarcação é parte de Porto Velho que, em nove dos 10 últimos anos, esteve entre os municípios que registraram maiores índices de conflitos rurais na Amazônia Legal, como revelou o projeto Mapa dos Conflitos, baseado em dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT). Em casos que vão de ameaças de morte à tortura – passando por humilhação verbal e violência física – 98 pessoas foram vitimadas no município no período analisado.

“Estamos todos praticamente na situação de sermos expulsos e perdermos qualquer terra”, relata Josué, ribeirinho nascido e crescido na beira do Rio Machado. “Eu tinha uma terra pra plantar do lado de lá e tive que sair pra não correr risco de vida”. Segundo ele, após várias ameaças e uma noite em que foi acordado por tiros, teria fugido da área que cultivava.

Já Dona Firmina, uma senhora de 51 anos, beiradeira que toda vida viveu da plantação complementando a pescaria e que não tem outra área para reinventar o sustento, diz sem esconder o desespero na voz: “a gente tentou ficar, mas disseram que iríamos morrer eu e meu marido. Aí saímos na carreira”.

Josué e Firmina cultivavam roçados na margem oposta ao vilarejo de Demarcação, mais acima no rio, em uma área que Guedes Arcanjo afirma ter comprado. Vizinhas dessa área, outras famílias tinham plantações e casas em terrenos que agora o deputado Lebrão e seu filho, Ângelo, controlam. Quando esteve na região, a reportagem ouviu relatos em que os nomes do deputado e do fazendeiro se alternam, como supostos responsáveis pelas expulsões – alguns ribeirinhos alegam ter sido ameaçados por Guedes, enquanto outros que viviam mais abaixo no rio dizem ter sido pressionados pelo deputado.


“Eu praticamente dei de presente a terra. Porque senão tava morto lá”, resume um ex-morador da área controlada por Lebrão, que diz ter caído em desgosto quando viu que funcionários do deputado estavam entrando na parte de trás de seu terreno. Já com a idade avançada, acabou vendendo a área barato, indo se refugiar perto dos filhos na cidade.


Vilarejo de Demarcação, em Rondônia: moradores falam que situação de conflitos está no limite / Avener Prado/Agência Pública

“Aqui em Demarcação a situação está chegando no limite. Além do problema da terra, vemos muitos casos de agressão por termos nosso direito arrancado, como o que aconteceu com um senhor que quase foi afogado por pescar no lago que antes todo mundo usava”, explica uma moradora da comunidade.

A reportagem tentou contato telefônico com Guedes Arcanjo, que não retornou até a publicação. O deputado Lebreão concedeu entrevista e declarou que as pessoas com quem ele e seu filho fizeram negócios para compra de áreas não teriam sido pressionadas nem ameaçadas. Segundo ele, não havia nenhuma família que ainda morava na área em questão. "Você deveria fazer uma reportagem vindo aqui in loco. Não ficar ouvindo fantasia e bobagem de pessoas que nunca sofreram nenhum tipo de ameaça", disse.

"Se você conversasse com as verdadeiras pessoas que venderam as terras, vocês veriam que não tem nada a ver essas denúncias", disse. "Mas acontece o seguinte, hoje é uma questão cultural: quando pessoas de um outro estilo chegam numa região, muitas vezes tem pessoas que se incomodam, né? Principalmente a pessoa que está ligada ao tráfico de drogas. Que vivia escondendo droga naqueles barracos [dos ribeirinhos]. Ali tinha muita coisa que acontecia lá na calada da noite que felizmente acabou," disse o deputado.

ÀPública, Lebreão afirmou ainda que, junto com seu filho Ângelo, presta assistência aos ribeirinhos e faz manutenção nas estradas rurais que atendem a população.

"Pra mim ainda não mostraram a arma, mas só falta isso"

A faixa de terras da margem esquerda do Rio Machado, que fica de frente à Demarcação, separada do vilarejo somente pelo rio, era utilizada por mais de 15 famílias de beiradeiros para a plantação de mandioca e outras roças de subsistência. Antes dos conflitos, os lagos das redondezas serviam para a pesca que complementa a alimentação das comunidades tradicionais.

A região em disputa integra a gleba Rio Preto, uma terra pública, segundo o registro certificado no Sistema de Gestão Fundiária (SIGEF) do Instituto de Colonização e Reforma Agrária (Incra). Entre as décadas de 1970 e 1990 através de um projeto fundiário do INCRA, pequenos agricultores, seringueiros e ex-soldados da borracha receberam lotes na gleba. Mas dentro da área, de dimensões quilométricas, pedaços permanecem sem registro.

Agora, na margem do rio oposta à Demarcação só restam duas famílias de moradores antigos. "Tem só um senhor e mais o seu João lá, que a gente não sabe como está resistindo", diz Josué.


Beiradeiros reunidos em Demarcação, distrito da capital que se liga a Porto Velho somente por transporte fluvial / Avener Prado/Agência Pública

João de Mendonça, o agricultor citado no início da reportagem que chamou o deputado para conversar em sua casa em setembro de 2022, insiste em não fugir de sua terra. "Eu sou uma pessoa que não pode sair. Tudo que eu tenho está lá, não tenho nem como fazer mudança", diz. Por isso, ainda em 2018, quando começaram as primeiras investidas dos que chama de 'homens de fora' na região, decidiu se preparar: juntou economias e contratou um advogado para iniciar o processo de reconhecimento de usucapião do terreno de onde tirou o sustento para criar seus quatro filhos. João conhece a dinâmica da ocupação da terra em Rondônia, estado que há décadas se mantém entre os campeões em casos de conflitos que envolvem grileiros, milícias rurais e pistolagem.

Mas nem o apoio jurídico nem o processo de usucapião teriam lhe dado segurança. Em setembro de 2022, segurando nas mãos uma ata cartorial que registra seu pedido de reconhecimento do usucapião, com documentos que comprovariam sua presença e pequena produção agrícola na área desde meados dos anos 2000, ele diz ter tentado conversar com o deputado Lebreão. "Quando mostrei o documento ele disse que não ia abrir mão da terra e que meu advogado não conseguiria resolver nada porque documento não vale com ele, não".

Desde então, segundo João, a pressão do deputado teria aumentado. Em dezembro, de acordo com seu relato, foi aberta uma estrada que ultrapassou a margem de sua propriedade, destruindo parte das cercas do seu sítio.


João de Mendonça, 63, agricultor em conflito com deputado Lebreão, diz que não vai fugir de sua terra / Avener Prado/Agência Pública

No final de janeiro, oito homens teriam invadido os fundos de seu terreno, uma área de floresta amazônica conservada, e ali teriam desmatado cerca de 20 hectares. "Eu estava fazendo covas para plantar a melancia e comecei a escutar a zuada da motosserra. Aí fui avisar o seu João que estavam fazendo derrubada dentro da área dele", conta o genro do agricultor, que diz ter testemunhado a invasão. "Eles estavam em oito peões derrubando tudo".

No final do dia, seu João foi até a área e filmou a degradação. Gravou um vídeo narrando: "Essa é a derrubada que o deputado Lebrão mandou fazer. Somos tratados aqui como se fôssemos cachorro". João conta ter enviado o vídeo para alguns contatos como uma denúncia. A resposta do deputado chegou logo e direto em seu WhatsApp.

Segundo registro da conversa acessado pela reportagem, Lebrão escreveu para o agricultor: "Parabéns pela denúncia mentirosa. Sempre tratei homens cachorro com respeito. Ok".


Reprodução de conversa entre agricultor e deputado federal Lebrão / Reprodução/WhatsApp

O deputado Lebrão confirmou à Pública que enviou a mensagem e declarou: "Na denúncia que ele [João Mendonça] fez, ele disse que eu tratava ribeirinhos como se fossem cachorros. Eu respondi na minha mensagem que eu sempre tratei tanto os cachorros como todas as pessoas com muito respeito".

"Foi uma ameaça. Mais uma", afirma o agricultor sobre a mensagem. Nas semanas seguintes, em meados de abril, João diz que encontrou bois da fazenda mantida pelo deputado dentro de suas roças de café e melancia, pisoteando as mudas. "Ele soltou o gado porque, como estava sem a cerca, era pra entrar na minha roça mesmo. É um jeito de forçar a gente".

Depois de comprar fiado um rolo de arame farpado e trabalhar seis dias refazendo a cerca, João conseguiu conter parte do gado. "Eu dependo das colheitas, isso deixa a gente muito nervoso", diz. Assim que acabou a cerca, foi para Porto Velho registrar uma terceira denúncia contra o deputado. Mas, semanas depois, em meados de maio deste ano, o gado voltou a entrar, ele diz. Em junho último, foi feita uma cerca pegando parte da área que João reivindica, margeando uma nova estrada aberta pelos funcionários do deputado. Até a publicação da reportagem, João seguia na expectativa de alguma ação das autoridades no impasse das terras. "Tem sido difícil dormir", comentou.


Desde 2015 a paisagem da região do Baixo Madeira vem sofrendo com a derrubada da floresta / Avener Prado/Agência Pública

A Pública acessou fotos e vídeos da derrubada na área de João e da invasão do gado nos roçados, além das denúncias de ameaças registradas pelo agricultor junto à Polícia Civil, Ambiental e Ministério Público de Rondônia. Os documentos que João encaminhou para o reconhecimento do usucapião indicam sua presença e produção agrícola na área desde 2006. Um registro no cadastro rural de 2008 assinala a primeira tentativa do agricultor de regularizar a área.

Em entrevista, Lebrão falou sobre o caso de João Mendonça. "Ele é invasor de um canto da propriedade", disse. Em relação às ameaças registradas pelo agricultor, o deputado negou envolvimento. Afirmou que a área onde João vive ficará para ele. "A área que ele usa está lá pra ele. Sem nenhum tipo de problema".

Área tem ligação com madeireiro Chaules Pozzebon

Antes da chegada de Lebrão e Guedes nos entornos de Demarcação, a primeira figura de fora a aparecer como uma ameaça, segundo os relatos dos ribeirinhos, foi Chaules Volban Pozzebon.

Condenado em 2021, o madeireiro foi sentenciado a 99 anos de prisão por extorsão e associação criminosa. Segundo a investigação que embasou a condenação, uma milícia armada liderada por Chaules invadia terras, expulsava famílias e extorquia agricultores para explorar madeira ilegalmente no entorno de Cujubim (RO). Na época da prisão, Chaules foi considerado um dos maiores desmatadores da Amazônia – colecionando crimes ambientais detalhados em reportagem da Pública.

A investigação da Polícia Federal (PF) sobre Chaules detalha que os jagunços do madeireiro controlavam uma estrada rural específica, usada para escoar a madeira irregular. Conhecida até hoje por "Estrada do Chaules", o ramal começa em Cujubim e desemboca justamente perto da margem esquerda do Rio Machado, onde o deputado Lebrão está formando sua fazenda. Saindo do município de Cujubim e adentrando Porto Velho, ao longo do ramal que informalmente leva seu nome, Chaules tem 25 imóveis registrados. Dentre eles, a área onde Lebrão está investindo.

Lebrão afirma não ter propriedades rurais registradas em seu nome. "As terras lá são do meu filho", disse ele ao jornal _Pública_. Seu filho, Ângelo Clemente, conhecido como Lebrinho, teria adquirido a parte de Chaules há quatro anos. No entanto, a reportagem não encontrou registros da área em nome do deputado ou de Lebrinho — que é quem tem assinado os contratos de compra de imóveis na região. A maior parte da área onde Lebrão está formando a fazenda continua registrada em nome de Chaules, que está preso.

Ao jornal _Pública_, Ângelo declarou que comprou e pagou pela propriedade, mas que ocorreu o bloqueio judicial antes que a escritura fosse transferida para o seu nome. "O mesmo bloqueio está sendo substituído por outra propriedade do antigo dono, Chaules, para que possa dar sequência na referida documentação da minha propriedade".

"Dei de presente, por medo mesmo"

Um documento de compra e venda feito por um antigo morador que alega ter sido forçado a vender sua área sob pressão do deputado tem assinatura de Lebrinho, seu filho.


Acesso à propriedade que seria do deputado federal Lebrão e de seu filho Ângelo, o Lebrinho / Avener Prado/Agência Pública

São cerca de 300 hectares adquiridos por um valor abaixo do mercado. De acordo com a base de valor da terra em Porto Velho, o terreno valeria cerca de R$ 3 milhões e 600 mil reais. Pela área, Ângelo assinou o contrato de compra por R$ 100 mil reais. "Dei de presente, por medo mesmo. Toda a minha família não queria que eu ficasse lá, estavam preocupados demais", diz o antigo dono da área.

Na compra feita em nome do filho do político, o contrato registra, porém, que o pagamento seria feito pelo próprio deputado. O documento obtido pelo jornal _Pública_ descreve que R$ 80 mil reais da compra seriam "pagos em cheques emitidos por José Eurípedes Clemente", o Lebrão.

Roberto diz que uma situação semelhante aconteceu com sua família. "Com a gente a conversa do Lebrão foi assim: ou vai sair ou vai vender", disse ele. O ribeirinho conta que depois de uma primeira conversa, o deputado teria dito que poderia arrumar para eles uma terra em outro local, mas que ficar ali não poderiam ficar.

Pelos cerca de 80 hectares que tinham registrados, os familiares de Roberto receberam 60 mil reais. "Ele [Lebrão] me disse que não adiantava a gente tentar brigar na justiça e a verdade é que não adianta mesmo, a gente não tem condição de enfrentar uma pessoa dessa financeiramente".

Em entrevista ao jornal _Pública_, Lebrão declarou que as terras no Baixo Madeira pertencem ao seu filho e que frequenta a região para lazer. "É onde vou pescar e descansar", disse.

Ângelo Clementer, o Lebrinho, retornou por escrito à reportagem. Em relação aos pagamentos feitos pelo deputado por áreas compradas em seu nome, declarou: "meu pai, o Lebrão, é meu procurador em algumas das minhas propriedades. Não todas, somente nas que necessito de alguma contribuição documental, pois minha demanda de trabalho é grande e as distâncias entre as propriedades também".

Sobre as denúncias de ameaças e grilagem, escreveu: "desde que tomei posse da propriedade estabeleço um bom convívio com vizinhos e ribeirinhos, até porque eu já era proprietário de terras na mesma região há tempo, inclusive muitos vizinhos e ribeirinhos frequentam a sede da propriedade a qual são muito bem recebidos".


O Rio Ji-Paraná, conhecido por rio Machado, reúne comunidades beiradeiras em suas margens / Avener Prado/Agência Pública

São poucas as áreas da região que têm registros cartoriais certificados disponíveis para consulta, o que dificulta mensurar a quantidade de terras já adquiridas em nome de Lebrinho no Baixo Madeira. Em uma busca cartorial, o jornal _Pública_ encontrou um registro que indica que outra área de dimensões quilométricas, mais ao norte da região de Demarcação foi comprada pelo filho do político, em 2022. Trata-se de um terreno às margens do Rio Madeira chamado Seringal Cavalcante II, do tamanho de 1300 campos de futebol.

"A gente tem medo aqui dessa coisa que falam 'ou você sai ou eles matam'", diz Roberto, que vivia na área próxima à Demarcação. "Lá colocaram até fogo no curral que eu cuidava. Apesar do medo, se eu não tivesse filhos, queria ter ficado e enfrentado. Mas eu quero ver meus meninos crescerem, sabe como é, não posso arriscar tudo", diz. Depois que Roberto e a família deixaram a área, em 2021, o terreno foi todo desmatado.

"Depois que chegaram aqui, a motosserra não parou mais"

O desmatamento na área onde o deputado está formando a fazenda tem sido fonte de renda para trabalhadores do distrito, relatam moradores. "O problema aqui é que a comunidade fica dividida: uma parte com medo, a outra achando que ele vai gerar dinheiro, já que emprega um pessoal na derrubada", diz um ribeirinho. "Como a área é enorme, tem gente daqui que combinou de trabalhar na derrubada até o fim do ano. Estão há meses só na motosserra e vão continuar assim", relata outro morador.

"Essa camada verde que vocês estão vendo aqui é só uma cortina, para trás está tudo desmatado", explicou o ribeirinho durante o trajeto de barco que a reportagem fez margeando o terreno controlado por Lebrão. Segundo as fontes consultadas, em algumas áreas a derrubada da vegetação original já foi consumada e sobrevoos para a semeadura do capim já foram feitos. "O que escutamos aqui é que ele vai colocar o gado primeiro, para depois investir na soja", relata um morador do distrito vizinho que não se identificou por medo de sofrer represálias.

Avanço do desmatamento à esquerda do Rio Machado, na altura de Demarcação, entre 2015 e 2023 / Bruno Fonseca/Agência Pública/Planet Labs. Inc.

As imagens de satélite mostram a derrubada de floresta nas áreas controladas por Lebrão e Guedes. Em 2023, o deputado recebeu três autuações do Ibama por desmatar 420 hectares de floresta nativa, áreas agora embargadas. As multas somam R$ 1 milhão e 935 mil reais.

O terreno controlado por Lebrão registrado em nome de Chaules teve ao menos 132 hectares de floresta desmatados, segundo multa do Ibama em 2022. Em lotes vizinhos, Chaules foi autuado pelo desmatamento de outros 474 hectares. Somadas, as áreas que geraram multas têm o tamanho de 1025 campos de futebol.

A derrubada da floresta no Baixo Madeira é estimulada pelo avanço do agronegócio em Rondônia. Nas margens do rio, a soja é uma aposta futura que vem dando seus primeiros passos. Nos últimos dez anos, Rondônia quase triplicou sua produção do grão, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O Rio Madeira integra o corredor logístico fluvial que movimenta um quinto das exportações de soja no país. De suas margens, é possível avistar silos e barcaças carregadas.

Lebrão afirmou à Pública que a intenção na área é investir na pecuária. "Meu filho é pecuarista e empresário, é isso que estamos fazendo lá. Naquela região ainda não tem nenhuma propriedade com cultivo de soja", declarou.

Nascido no interior de São Paulo, Lebrão se mudou para Rondônia nos anos 1980 e trabalhou por anos no ramo madeireiro, chegando a ser condenado em um caso de crime ambiental. Segundo o processo, em 2003 teria falsificado documentos de uso e transporte de madeiras nativas em notas fiscais de uma serraria que mantinha no sul do estado. Em 2022, foi condenado pelo crime no Tribunal Regional Federal da 1ª Região (TRF-1) pelo envio de registros falsos ao Ibama.

Em paralelo com a exploração de madeira, Lebrão começou sua carreira política em 2004 como prefeito e depois como deputado estadual em dois mandatos. Em 2021, tornou-se alvo de uma investigação da Polícia Federal (PF) acusado de operar um esquema de propina, em conjunto com sua filha, a deputada Gislaine Clemente, na contratação de uma empresa de gestão de resíduos. Conhecida como Lebrinha, na época prefeita de São Francisco do Guaporé, agora a filha do político é deputada estadual pelo mesmo partido, o União Brasil. Vídeos que registram o momento em que Lebrão e a filha teriam recebido bolos de dinheiro como propina foram divulgados pela imprensa e integram a acusação de improbidade administrativa que ambos ainda estão respondendo.


Segundo vídeo, Lebrão e a filha teriam recebido bolos de dinheiro como propina / Reprodução/Jornal Nacional

Agora como deputado federal, Lebrão é o terceiro vice-presidente da comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável na Câmara dos Deputados em Brasília.

Ameaças de Arcanjo Guedes

Vizinha à terra controlada por Lebrão e seu filho, se espalha uma área de mais de 2 mil hectares que atualmente é controlada por Guedes Arcanjo Tavares. Ribeirinhos ouvidos pela reportagem relatam que o fazendeiro, natural do sul de Rondônia, seria o responsável por casos de ameaças e expulsões nessa área, desde 2021.

Josué e sua esposa plantavam mandioca na margem esquerda do Rio Machado para fazer farinha de consumo próprio e venda. Dona Firmina e seu marido faziam o mesmo, há mais de 20 anos. Já Pedro, tinha cerca de 70 cabeças de gado numa terra vizinha. Eles relatam que entre o final de 2021 e dezembro de 2022, deixaram suas terras a contragosto e sob ameaças de Arcanjo Guedes.

“O Guedes falou pra mim que a área era dele, que eu ia ter que sair de qualquer jeito”, conta Josué. Quando pediu para ver o documento do suposto fazendeiro, recebeu ameaças, diz. “Ele nunca está sozinho, sempre aparece com funcionários que todo mundo sabe que andam armados”, diz. 

Segundo relata, tentou seguir na plantação algumas semanas até uma noite em que foi acordado com som de tiros, disparados ao lado do rancho improvisado onde dormia com a esposa. “Aí o medo de alguma coisa contra a nossa vida foi mais alto. Ele ficou com a área e agora estou tentando arrumar a plantação do lado de cá. Mas não temos segurança”, desabafa.

Era 2020 quando, segundo os relatos, Guedes começou a aparecer nas terras vizinhas à Demarcação. Sempre acompanhado de funcionários, foi visitando moradores ou pessoas que mantinham pequenas roças na margem do Rio Machado, mais à esquerda dos terrenos de Lebrão. “Veio aqui três vezes, pra me tirar de lá”, conta Pedro. 

“A gente vai ficando com medo. Mesmo sem ele nunca ter mostrado documento, ficamos numa situação ruim, não estamos acostumados”, diz. Pedro tinha uma área na margem do rio onde criava um rebanho de bois. Segundo relata, a pressão foi tanta que acabou largando a terra e recebendo em troca só o valor do gado. “E ainda vendi cada garrote abaixo do preço, porque já não tinha mais o que fazer, todos que mais valia a minha vida sossegado”.

A reportagem acessou um vídeo em que Guedes se declara como dono da Fazenda Independência, localizada na margem esquerda do Rio Machado, pouco acima da área controlada por Lebrão. “Agora vai fazer um ano que perdi minha terra e já soube que ele conseguiu grilar tudo lá. Contra ele, nós não temos chance não”, disse outro beiradeiro que alega ter sido expulso. 

Para algumas famílias que dizem ter fugido das terras, Guedes teria pago valores irrisórios pelas plantações, através de transferências bancárias feitas em nome de terceiros. Um documento acessado pela Públicamostra uma dessas transações, feita em abril de 2022 por uma conta registrada no nome de sua ex-esposa, Erica Petri Frutuoso.

Em 2021, condenado por submeter dois trabalhadores à condição degradante e humilhante, em situação análoga à escravidão, Guedes recebeu uma pena de três anos que foi substituída pelo pagamento de 40 salários-mínimos e prestação de serviços à comunidade. 


Barco que faz o transporte de passageiros e cargas; comunidades dependem do transporte fluvial   / Avener Prado/Agência Pública

Em Demarcação, os relatos de pedaços de terra tomados “na marra” como dizem, se amontoam quando se conversa com moradores. Apesar do receio de denunciar, os beiradeiros temem ainda mais o que lhes acontecerá no futuro. 

“Aqui a gente agora não tem segurança de terra nenhuma, está todo mundo querendo tentar documentos das áreas que vive desde que se entende por gente. Mas o problema é que tem esse pessoal de fora se aproximando cada vez mais. Agora estão tentando pegar a área atrás da comunidade, que ainda tem floresta, para fazer um plano de manejo e tirar madeira. Estamos ilhados”, diz Josué.

Colaboradora: Bianca Muniz
Os nomes foram alterados para não identificar as fontes que temem represálias


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